“Faltando pouco para eu completar meu décimo
sétimo ano de vida, minha mãe resolveu que eu estava deprimida, provavelmente
porque quase nunca saia de casa passava horas na cama, lia o mesmo livro várias
vezes, raramente comia e dedicava grande parte do meu abundante tempo livre
pensando na morte. Sempre que você lê um folheto, uma página da Internet ou sei
lá o que mais sobre câncer, a depressão aparece na lista dos efeitos
colaterais. Só que, na verdade, ela não é um efeito colateral do câncer. É um
efeito colateral de se estar morrendo. (O câncer também é um efeito colateral
de se estar morrendo. Quase tudo é, na verdade.)”
Hazel tem pais bastante protetores –
sua mãe dedica-se quase que exclusivamente à filha e seu pai chora com
frequência – e é notavelmente intensa, esperta e psicologicamente forte, mas
sem deixar de ser amável. A primeira surpresa aqui é que o escritor, John
Green, é um homem de 34 anos (e que não tem filhas, apenas um filho) que
consegue com muita habilidade e destreza escrever todo um livro do ponto de
vista de uma garota adolescente. Não que muitos autores não tenham sido bem
sucedidos em fazer isso antes, mas eu, como escritor, acho fundamental
reconhecer esse mérito: é um enorme desafio para um homem assumir um eu-lírico
feminino, ainda mais feminino e jovem. Outra observação que faço é sobre o nome
da protagonista: o autor disse que escolheu “Hazel” – que em inglês designa a
(linda) cor de olho que é um meio-termo entre azul e verde –, pois a
personalidade dela também é um meio-termo.
“(...)me ocorreu que a ambição voraz dos seres
humanos nunca é saciada pelos sonhos que se tornam realidade, porque sempre
persiste o pensamento que tudo pode ser feito melhor e de novo.
Isso provavelmente é verdade mesmo para quem
chega aos noventa - embora eu tenha inveja das pessoas que vão chegar lá para
descobrir por si mesmas.”
[tradução livre]
Em um Grupo de Apoio para crianças
com câncer, Hazel conhece Augustus Waters, um ano mais velho. Ela descreve
Augustus como muito bonito e atraente; ele teve osteossarcoma quando mais novo
e, por conta disso, amputou a perna direita – utilizando, agora, uma prótese no
lugar. Hazel vai descobrindo aos poucos que o garoto também tem uma verdadeira
fascinação por metáforas, o que torna muitas de suas reflexões realmente
interessantes. A primeira conversa entre os dois é pontuada por um diálogo
sarcástico, peculiaridade que está presente quase sempre que os dois se falam.
Ainda que já tenha visto isso em outros livros, ainda acho um pouco inverossímil
jovens sempre com diálogos tão elaborados e perspicazes, mas isso não é realmente
uma crítica: é esse sarcasmo que muitas vezes dá o tom divertido do livro e
ainda evidencia a grande afinidade e intimidade que logo surge entre os dois (a
exemplo de Emma e Dexter em “Um Dia”, de David Nicholls).
— Meu livro
favorito é provavelmente Uma Aflição Imperial – eu disse.
— Tem zumbis
nele? – ele perguntou.
— Não.
— Stormtroopers?
Eu balancei
a cabeça em negação.
— Não é do
tipo que eu gosto. – Ele sorriu. – Mas eu vou ler esse livro terrível com um
título chato e que não tem stormtroopers.
[tradução livre]
Aproveitando a deixa, provavelmente
inspirado por este post da Fran, eu me atrevo a comparar que Hazel e Augustus, em questão de
maturidade, se encontram entre Emma e Dexter – que começam a história com 22
anos – e Liesel e Rudy (do também excelente “A Menina Que Roubava Livros”, de
Markus Zusak) – que ainda preservam a inocência dos 10/11 anos. Hazel Grace e
Augustus Waters rapidamente se tornam bons amigos e é essencialmente em torno
dessa grande amizade que o livro é construído. É muito bonita a afeição que um
tem pelo outro, sendo natural que o próprio leitor acabe se afeiçoando a ambos.
Quando eles estão juntos, compartilham reflexões fascinantes – algumas vezes
sobre suas doenças, mas nem sempre.
“Você nunca se preocupa em saber se ela é mais
esperta do que você: você sabe que ela é. Ela é engraçada sem precisar ser
maldosa.”
(Augustus sobre Hazel)
[tradução livre]
O que aproxima a obra da nossa realidade são algumas peculiaridades como a menção ao programa
“America’s Next Top Model
” e à uma rede social similar ao Facebook. Em um dado momento, por exemplo, Hazel espiona o “mural virtual” de uma jovem garota que havia falecido de câncer e fica um pouco perturbada com algumas mensagens de condolências que encontra.
Era um número sem fim de pessoas que sentiam a falta dela. Eram tantas, que eu levei uma hora no mural descendo a barra de rolagem para passar das mensagens de “Sinto muito que você está morta” para “Estou rezando por você”.
[tradução livre]
Outro aspecto muito interessante é que uma parte da história se desenvolve a partir do livro favorito de Hazel, “Uma Aflição Imperial”, escrito por Peter Van Houten, e cuja protagonista e narradora, Anna, também tem câncer – havendo, inclusive, uma citação dessa obra no início de “A Culpa é das Estrelas”. Existe, portanto, essa metalinguagem deliciosa, que explora a relação de Hazel com um livro que é notável e essencialmente diferente do de John Green. Apesar do autor ressaltar que esta é uma obra de ficção e que nem sempre é fiel à realidade, muitas de suas descrições são tão detalhadas que quase nos permite ver as imagens pintadas entre aquelas palavras. Exemplos disso são as descrições da cidade de Indianapolis – onde ele mora, e onde se passa a maior parte da história – e da Casa de Anne Frank, onde a jovem judia que escreveu o famoso diário morou depois de fugir da Alemanha, e que hoje é um museu.
Quanto ao final, acho que ele é
perfeito. Demorei algum tempo para perceber isso após terminar o livro, mas
acabei admitindo que não poderia ser diferente – e John Green curiosamente te
condiciona durante todo o livro a chegar a essa mesma conclusão.
Minha última consideração é que a
obra, ainda que gire ao redor de protagonistas com câncer e que provoque aquela
sensação de que deveríamos ser gratos por conseguirmos fazer coisas simples
como subir escadas, não é sobre
câncer; não se resume a isso. É, na verdade, um retrato emocionante e muito bem
escrito sobre como Hazel Grace vê o mundo e filosofa sobre ele. E também acho que não é demais
qualificar algumas passagens de “A Culpa é das Estrelas” como geniais, como,
por exemplo, as referências, ao longo do livro, às tulipas, flores que se
tornam mais bonitas quando “doentes”. Não garanto as lágrimas, porém posso
assegurar as risadas e uma história bonita e marcante, que dificilmente será
esquecida.
“The Fault
in our Stars” é o quarto romance de John Green (autor de “Quem É Você, Alasca”)
e foi lançado em 2012 pela editora Dutton Books. Aqui no Brasil, foi publicado como
“A Culpa é das Estrelas” pela editora Intrínseca em julho de 2012.
P.S.: Há
outra citação do livro no meu tumblr de citações http://admiraveismundosnovos.tumblr.com
Não digo que A Culpa é das Estrelas é o livro da minha vida mas com toda certeza do mundo é um dos mais lindos e intensos e especiais e, bom, acho que você leu o que falei dele, rs.
ResponderExcluirE que honra você ter linkado um post meu! Obrigada :D
Melhor livro de 2012 pra mim <3 Nossa, terminei ele as 05h00 da manhã e não conseguia parar de chorar. Eu simplesmente ameeeei <3 E as vezes não acredito que tem gente que não gosta dos livros do John Green, ele é brilhante.
ResponderExcluirE bom, esse livro rende bons quotes, verei no seu tumblr os outros. Eu selecionei uns 17 com post-it no meu livra haha
Beijos!
Mars - Letras de Chá