quarta-feira, 25 de julho de 2012

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta


          Não poderia ser mais simples. Também pudera, não é nada além de símbolos enfileirados. Símbolos estranhos, definitivamente. Qual a grande genialidade por trás desses traços e curvas? Dê a uma criança de pouca idade papel e canetinha e ela poderá lhe surpreender com novos símbolos que ela mesma criou. Aliás, alguém poderia ser menos criativo ao instituir um tímido e insignificante ponto para frear as orações e dar lugar a outras? Um ponto: um pouco de tinta que, acidentalmente, pinga no papel e, acidentalmente, encerra uma história. Não uma história qualquer, todas as histórias. Quando Shakespeare talhou com tanto cuidado aquela história de amor e juventude, após pensar no último verso, ele pensou no ponto. Exatamente o mesmo ponto que encerrou a longa viagem de Ulisses e celebrou sua volta para os braços de Penélope. Goethe, aquele do amor e sofrimento, levou a vida inteira para pintar a tragédia do pobre Fausto – uma vida inteira até que o ponto final tivesse lugar na última página.
          Mas será que eu dei a entender que o ponto tem alguma importância? Se sim, desculpe. O ponto não vale absolutamente nada. Nenhuma das letras valem. O problema é que elas te fazem crer o contrário. Se eu as rechaço por meio de uma mensagem escrita, parece que estou me contradizendo. Não. São somente elas, as malditas letras, que se unem com o fim de me desmoralizar. Se eu estou parecendo insano e o que eu escrevo não parece ter muito sentido, então dou a elas o mérito de terem alcançado seu objetivo. Antes, porém, vou recorrer a uma analogia para forçar a imaginação de quem lê e, assim, desviar sua atenção desses símbolos traiçoeiros.
          Imagine-se olhando para um céu limpo e estrelado. Alguém te pede que você veja as estrelas, o que é bastante simples. Você olha para cima e vê os pequenos brilhos sem maiores problemas. Sim, cada uma daquelas pequenas luzes oblíquas e dissimuladas escondem em si corpos celestes colossais, alguns muito maiores do que a Terra ou do que a nossa própria imaginação. Mas, ainda assim, nunca deixaram de ser estrelas. Agora, você é solicitado para criar desenhos entre elas. Mesmo que você não saiba nem localizar as Três Marias do Cinturão do Órion, você – com um pouco de boa vontade – será capaz de imaginar várias figuras estampadas no céu escuro. Não, elas não estão lá, nenhuma delas, afinal são só estrelas, lembra-se?, mas de alguma forma você consegue vê-las e contemplá-las sem muito esforço. E talvez, como eu, você enxergue na constelação de Leão um rato ou um cavalo, não importa. Importa que as constelações não estão lá no alto, senão em sete bilhões de espaços aqui embaixo.
          O que a gente apreende disso é que o que você, leitor, não está lendo o que eu escrevo. Porque as letras são estrelas e, conquanto elas sejam sempre iguais, o sentido que cada um dá a elas e as palavras é muito pessoal. Claro que a gente tenta introjetar em cada inocente ser humano essa uniformidade linguística, fazer com que todos sorvam os vocábulos do mesmo jeito, mas – como em todo processo que se preze – nesse também há falhas. São falhas impecáveis que só fazem aperfeiçoar esse sistema, e não o contrario. Enquanto essa padronização permite que nos comuniquemos, sua imperfeição possibilita que cada um tenha seu próprio caleidoscópio para apontar à vontade e ver o que quiser.
          Por isso, sinto muito, você jamais vai ler a história sobre Bentinho e Capitu que Machado de Assis genialmente imaginou. A história dele é só dele e nunca será de mais ninguém. E a questão – caso ainda não esteja claro – não são os múltiplos sentidos de cada palavra, listados pretensiosamente no dicionário; e sim a interpretação de cada um desses símbolos, que se confundem (sem seu consentimento) com tudo o que você já viveu. Quase como aquele cheiro de amora que carrega você – e apenas você – à lembrança enevoada de quando você apanhava amoras com sua avó no parque, quinze anos atrás.
          Tudo isso porque hoje é Dia do Escritor e as pessoas estão enaltecendo escritores dos mais diversos e suas obras – o que faz sentido –, mas estão se esquecendo de que textos são apenas depósitos de letras e aquele os organiza não deve ficar com o mérito sozinho. Afinal, cada história que você leu, é parte sua também. Isso posto, acho que mais do que celebrarmos, deveríamos ficar felizes por sermos dotados desta capacidade tão fantástica e extraordinária de construirmos histórias, mundos e personagens – a qualquer momento e em qualquer lugar, sendo escritores ou leitores ou nenhum dos dois.
          Não é o que está escrito. É você
          Ponto final


P.S.: O título é inspirado por uma trecho de A Hora da Estrela, da Clarice-de-todas-as-frases, e que pode ser lido aqui: http://claricelispector.blogspot.com.br/2008/04/hora-da-estrela-1-parte.html

Um comentário:

  1. Eu, como pessoa impaciente e chata que sou, quase nunca paro para comentar em blog nenhum. ((sou chata mesmo)) mas quando um texto é muito bom, ele não merece apenas ser lido, é preciso falar sobre ele. O seu texto é incrível e faz muito sentido. Não há mesmo uma genialidade muito grande nas letras. É apenas se confundir e eventualmente se encontrar em meio aos símbolos.

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