Ana está prestes a entrar no metrô. As portas já se abriram
e em segundos se fecharão. O casal dá um último abraço e um beijo rápido. Ela
carrega duas malas, seu destino é provavelmente o aeroporto e, de lá, alguma
terra além das fronteiras imaginativas. Ana se encaminha para o vagão e, antes
que ela entrasse, antes que a distância entre eles comece a aumentar a uma
velocidade de quase 80 km/h, ele grita uma última declaração. Não é um “eu te
amo”. É um “me espera”. Não deu para ver se ela sorriu em concordância ou se
ela deixou transparecer sua desesperança de que se veriam novamente em breve.
Em instantes, o trem já avançava pelo túnel, deixando o jovem desamparado e
sozinho na estação; ainda há bastante gente ao seu redor, mas nenhuma delas é
Ana. Após conferir as horas no celular, ele sai em disparada pela escada
rolante e desaparece no andar de cima. Talvez estivesse atrasado para o
trabalho que tinha conseguido a fim de juntar dinheiro e conseguir pagar uma
passagem para ficar junto de sua namorada. Ou talvez não tivesse conseguido
segurar a ansiedade e marcou de encontrar a amante logo pela manhã para
celebrar que já não precisava tomar cuidado para que não fosse flagrado por
Ana. O amor tem desses mistérios.
Se tem algo que pode melhorar substancialmente meu humor, ao
menos por uns minutos, é avistar um casal na rua. Pode parecer incompreensível,
pois você não conhece aquelas pessoas, não sabe nada do seu contexto, não faz
ideia se eles tiveram uma briga homérica pela manhã nem se terminarão naquela
mesma noite, porém, naquela captura instantânea da história do casal, eles
parecem felizes. Estão se abraçando. Estão rindo juntos. Estão se dando as mãos
— ainda que por hábito — , entrelaçando-se em uma rede que os conecta,
permitindo-se usar da sensibilidade dos dedos para sentir o outro, para
mantê-los em contato, mesmo que o pensamento esteja em outros lugares.
Eles se escolheram. Talvez em uma festa, sob o som de uma irritante
música eletrônica, quando ela tentou a sorte e perguntou o nome daquele garoto
apoiado no balcão. Ou vai ver eles passaram meses conversando, sem perceberem
que eram a melhor companhia um do outro, até que o ficar juntos pareceu o rumo
mais natural.
Hoje é a data escolhida para celebrar esses encontros. Uma
escolha arbitrária e calcada em interesses econômicos, sem dúvida — nós nem
sequer temos a chance de nos escorarmos em São Valentim (ao menos nossa
comemoração é mais próxima do inverno) —, mas nossa facilidade em cair na
rotina pede essa lembrança, um dia no ano que seja, para que não nos esqueçamos
de festejar esse amor. E não se trata de qualquer amor. Os
gregos já dividiam esse sentimento em vários, porque entendiam que o amor é
muitos. Inclusive o amor-próprio, que sem dúvidas é fundamental,
não me parece competir com o amor romântico.
“Ame a si mesmo antes de amar outra pessoa”, muitas vezes me
disseram, possivelmente ignorando que o amor é a terra mais fértil e que, se
você não esperar, sempre lhe dará frutos, muitas vezes na forma de mais do
mesmo sentimento. Assim, quem tem amor nunca sofrerá da falta dele, e não há
caminho mais fácil para se aceitar do que se doar e, então, conhecer a melhor
versão de si.
Artur e Amanda terminaram. Eu suponho que sim, porque hoje
ele não está no ônibus. E hoje é sábado. Sábado é o dia em que ele pega o mesmo
ônibus que eu, pontualmente neste horário, para visitar Amanda, moradora de uma
cidade vizinha. Ao menos, é o que imagino; nós nunca trocamos uma palavra. Hoje
senti a ausência de Artur e lamentei por ele. Provavelmente está em casa
tocando violão para tentar se distrair, evitando todas as músicas que ele
tocava especialmente para Amanda — e são muitas. Ele adorava tocar enquanto ela
o acompanhava com sua voz carregada de um delicioso sotaque. Artur até chegou a
arriscar compor algumas canções para sua amada. Já tinha um novo rascunho que
planejara finalizar antes do aniversário dela, em algumas semanas. Agora, não
tinha mais sentido encontrar uma boa rima para “deslumbrado”. Ele ainda usava a
palheta que ela lhe dera no Natal, personalizada com o nome dos dois e a data
em que começaram o romance. Festejavam todos os anos aquele primeiro beijo no
meio de sorrisos. Aquele momento imortalizável que deveria ter durado para
sempre, mas foi cruel o suficiente para acabar. Deixou saudades, remorso,
lágrimas e diversos presentes trocados, inclusive o pingente que ele mantinha
no pescoço como sinal de resistência. Ainda era cedo para dar o término como
definitivo. Fazia apenas dois dias a discussão, ainda havia esperanças. Mesmo
que Amanda tenha alegado estar confusa e apesar de ela não ter derramado uma
lágrima sequer ao explicar didaticamente sua decisão. Sua não; de seu coração,
ela disse. Talvez neste exato minuto o celular de Artur esteja tocando. O coração
dele dispara. É Amanda. Ele sabia que a relação deles era pra valer. Tantas
coisas ainda havia para eles fazerem juntos! Tantas viagens, tantos
restaurantes que queriam conhecer, o cachorro que iriam adotar em conjunto (já
tinham até uma lista de nomes!)… O rapaz agarra o celular com avidez e atende
sem olhar. Era engano.
Dos conselhos para hoje, o mais importante deles certamente
não é “compre flores”, nem “compre chocolate” ou “compre qualquer coisa só para
não passar em branco”, nem mesmo “surpreenda a pessoa que você ama” — apesar de
ser bem difícil fugir dessa chuva de imperativos vazios. A questão, que não
vale somente para hoje, é: seja grato. É como dizem certas músicas…
“Jogue suas mãos para o céu e agradeça se acaso tiver
alguém que você gostaria que estivesse sempre com você…”
Pois bem, leve a sério. Há literalmente bilhões
de pessoas no mundo e se alguém, dentre todas as opções (que não são tantas,
mas estão cada vez maiores), escolheu você, sinta-se privilegiado. Não foi uma
escolha para compor um time e jogar uma partida de 90 minutos. Foi uma
escalação para o mais alto grau de companheirismo; para estar ao seu lado em
qualquer circunstância, para não te deixar só e suportar contigo suas dores;
foi para se esforçar em te fazer feliz, celebrar cada passo adiante e cuidar
para que você não retroceda. Isso tudo será o famigerado amor? Acredito que
não. Mas um relacionamento não se constrói apenas com amor. É um amalgama dos
mais poderosos que, quando bem cerzido, é um belo exemplo de bondade, paciência,
carinho, paixão e diversas outras virtudes tão humanas.
Talvez você já tenha dado mil abraços na pessoa adorada, mas
o de hoje será especial. Não porque o dia é especial; o dia é
o mais ordinário de todos e pelo mundo afora há milhões de pessoas com
preocupações maiores que o ursinho de pelúcia que você comprou e tem medo de
ela não gostar. Mas por trás de toda essa agitação materialista, esconde-se uma
mensagem trazida do fundo da natureza, que hoje, como todos os dias, tem a
atenção voltada para você e seu cônjuge, e a mensagem diz: ame. Ame o quanto
for possível. Ame, seja o melhor de si mesmo. Ame, porque o elo que o
verdadeiro amor constrói, é resistente ao calor de uma forja, a uma broca de
diamante, ao espaço e ao tempo. Diferente de flores e chocolates.
Anita se acabava em lágrimas, alheia aos curiosos que
cruzavam pelo meio da praça observando a cena. Alexandre também não se
importava com os olhares, só parecia querer o bem da moça. Seu abraço era um
escudo de consolo, protegendo-a contra insignificâncias externas. Ela havia
perdido a data de inscrição para o vestibular. Ela havia perdido o emprego. Ela
havia perdido a avó. Alguma coisa nela estava agora faltando, havia um buraco
que não se preenche fácil e muito lentamente se cicatriza. Alexandre não era
habilidoso com a linha, e ainda que fosse, seria incapaz de costurar o coração
da menina e suturar essa latente ferida. Entretanto, lá estava ele aquecendo-a
com um abraço. Um abraço que, com certeza, não era só físico. E, ao mesmo tempo
que dava atenção ao vazio, embalava-a com palavras de conforto. Ela podia
contar com ele. Ele podia contar com ela. Contavam juntos e chegavam ao mesmo
resultado: um.
“É impossível ser feliz sozinho”, alegou o poeta. Hoje acho
que entendo o que ele quis dizer. É claro que você não precisa se envolver com
alguém para encontrar sua felicidade. Não se trata desse tipo de
impossibilidade. A bem da verdade, eu acredito que você pode até encontrar a
felicidade só, em uma caverna, consumindo apenas o necessário, sem afetos, sem
amigos, sem família, distante de tudo e de todos. A questão, ouso afirmar, é
outra: por que alguém iria queria ser feliz assim?
Bônus :)
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