(Sem métrica, sem rima, sem maiores preocupações.)
Para ler ao som de: "30", de Adele.
Demora trinta anos para chegar e, ainda assim, chega sem sobreaviso.
Um verdadeiro susto o movimento repentino da casa das dezenas, é preciso ter cuidado com os números.
Vinte. Vinte e poucos. Vinte e tantos. Trinta.
Os fios brancos infiltrados provocam uma risada,
a enxaqueca em reação a noites maldormidas suscita inquietude,
a dor no abaixar e no levantar, frustração.
Não deveriam anunciar-se aos quarenta? Quem resolveu adiantar as coisas?
(Melhor ignorar os pensamentos sórdidos sobre a postura desmontada na cadeira, a alimentação meio mal balanceada e as pernas que não correm há meses.)
Quem adiantou também os relógios? E trocou os calendários? E inverteu as estações?
Quem disse que o tempo é relativo, sendo que ele vem e vai de forma tão absoluta?
Muitas perguntas, nenhuma resposta: quão inusitado! A essa altura?
Cadê a vida que não se mostra? Já não teve tempo suficiente? Mais interrogações.
A luz da ignorância está um pouco mais forte. A luz no fim do túnel, que antes nem se via, também já se divisa, embora seja ainda
um ponto brilhoso e distante, como uma frágil
estrela.
Sente-se a estranheza amarga de se estar em algum ponto entre a juventude e a velhice – talvez no meio, talvez ainda no primeiro terço, quem há de saber?
Inocentes fomos adolescentes que acreditavam em certezas; e, no entanto, quem poderá culpar-nos?
Pareciam tão tangíveis, a alguns poucos anos de distância.
Os trinta eram quase um ponto de chegada, de vitória.
E então... (Pausa.)
Não há quem não tenha virado colecionador; no mínimo, acumulador: de decepções, expectativas arruinadas, corações partidos e desilusões a encher prateleiras.
Bem-vindo aos trinta.
Tudo cessa? Tudo continua. A lei da impermanência não alcança a rotina de desafios, dificuldades e insatisfações. Culpa de ninguém.
Quem tenta confortar, diz acalme-se e diz ainda: estar vivo é um privilégio.
A bem da verdade, só há duas opções: chegar aos trinta ou não chegar –
e quem não chega é porque ficou
pelo caminho.
Quanto a mim, estou aqui. Eu e você.
Ainda respiro vida, ainda tenho muito a aprender, sentir, experimentar, vivenciar,
muito pelo que me apaixonar.
E mesmo que não houvesse, tudo valeu a pena até aqui
e continuará valendo, tenho certeza –
a certeza que me dão minhas três décadas,
que poderei ostentar assim que com elas fizer as pazes.
Até lá, observo nos brilhos do céu o encanto do trigésimo
porque é ancestral e profunda sua semântica.
Como se não fosse um número.
Como se não tivesse forma ou tamanho
e fosse maior que os quatorze bilhões do Universo.
Será possível?
Aos vinte, talvez fosse.
Aos trinta, o impossível tem novas fronteiras
e o mundo é,
ao mesmo tempo,
mais doce e mais amargo.
Um brinde aos novos sabores,
aos novos amores
e aos vencedores
desta batalha sem fim.
Que sejam bem-sucedidas como
as campanhas de Alexandre Magno,
o Grande,
que em trinta e dois anos
conquistou boa parte do mundo (conhecido);
e como as composições de Mozart,
também Grandioso,
austríaco que,
em trinta e cinco anos,
conquistou boa parte do mundo (conhecido).
Que Assim Seja – clamo.
Todavia não é deles
o reflexo que eu enxergo no espelho.
Pouco importa.
É de outro alguém que sonha
revolucionar o mundo por meio de suas ações.
Pequenas ações, mas jamais insignificantes.
Que aos trinta não me falte para tanto oportunidades,
saúde,
tempo
e vida.
O resto será conquista.
Dou sempre as boas-vindas a quem quiser me acompanhar:
estendo a mão àqueles que vêm atrás;
oriento-me por aqueles que já chegaram lá.
Por trinta anos, eu subi. Agora, tenho uma boa visão de
tudo. Posso ver longe, apesar da miopia (que só tende a piorar).
Agora, preciso seguir. O topo ainda está distante e não há
tempo a perder.
Se há trinta mil razões para permanecer inerte,
há ao menos uma para acreditar que ainda me resta muito trabalho
pela frente e que preciso honrar a chance que me foi dada.
Estou vivo. Respiro.
É o suficiente
e é mais do que eu poderia pedir.
Há esperança
para essa minha trajetória balzaquiana.
Basta olhar para cima e buscar o sol para entender:
ainda há Luz.
Obs.: Publicado após dois meses de procrastinação, porque algumas coisas não mudam com a idade...
Depois de ler o seu texto até fiquei com vergonha do que eu escrevi sobre os 30, que eu também fiz no ano passado. Adorei a sua escrita e descreveu certinho o que acontece quando chegamos nos 30. Ótimo texto!
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