Na primeira, ela enlaçava seu anelar direito. Já há alguns dias exibia com orgulho aquele brilho que lhe custara o salário de toda a primavera. Como durante o verão algumas flores iniciariam um vagaroso processo de recolhimento antes que chegasse a estação seguinte, ele então decidiu trocar as visitas à floricultura (onde encomendava os arranjos multicoloridos) por uma à joalheria. Cinco meses de namoro não eram pouco; na verdade, nenhuma das três garotas anteriores havia aceitado seu jeito errado por tanto tempo. Contudo, não restava dúvidas de que ela o conquistara muito mais do que o inverso. Por isso, naquela aliança estava gravada uma mensagem de agradecimento, mensagem tão apurada que só ela podia sentir.
Naqueles tempos, eles ainda se amavam. Muito. A ponto de rirem um do outro; de discordarem quanto à banda favorita, mas não quanto à música do casal; de não desgrudarem as mãos suadas; de se beijarem como se suas bocas unidas dessem corda em seus corações, para que eles continuassem pulsando. Sim, se amavam, e ele poderia reconhecer a cor dos olhos dela entre outras 999 tonalidades de verde, embora não pudesse nomeá-la. E, agora, havia a aliança para os protegerem contra más venturas: se acaso eles se desentendessem, não poderiam romper seu vínculo, pois isso implicaria em retirar a aliança que, de tão justa, não poderia se desgarrar sem arrancar uma lasca de alma pura.
Ele, entretanto, acabou por aceitar a recomendação de um professor para que mentisse não estar comprometido na entrevista para uma bolsa de estudos na Suíça. Os examinadores costumam supor que aqueles que namoram ou abandonariam a bolsa antes do fim e retornariam por saudades da pessoa querida ou o relacionamento a distância não daria certo, prejudicando a dedicação, a sobriedade e o fígado do estudante. A apenas alguns segundos do momento da entrevista, ele decidiu que seria essa a coisa certa a se fazer: girou a aliança para fora e a guardou no bolso às pressas. Chegou a confessar isso a ela, que, quando acabou de se revoltar, acabou por compreender. O pobre rapaz não foi, contudo, contemplado: perdeu para um candidato que falava três idiomas a mais e que, no dia da seleção, não tinha uma marca vermelha no dedo anelar direito.
Da segunda vez em que deixou sua mão nua, a aliança não era mais prateada, e sim dourada. Discreta, como a atitude deles em público agora. As mãos continuavam entrelaçadas, mas se soltavam à menor necessidade, como pessoas ou postes no meio do caminho. Já não havia mais madrugadas como antes, porquanto a relação estava sossegada como a aurora. Por que ele se incomodava agora se o cabelo dela (que, afinal, só era mesmo sedoso quando ela gastava meia hora aplicando cremes e loções) não conseguia cobrir a ponta de suas orelhas? Seria possível que ela nunca havia reparado que os dentes dele eram realmente tortos, assim como os horríveis dedos do pé? Como se eles não fossem felizes, como se não concordassem satisfeitos que tinham uma história juntos bem mais interessante que o roteiro de qualquer filme romântico.
Desta vez, o consentimento dela veio antes e de imediato. Ele havia rompido um ligamento no pulso e lhe fora solicitado um exame de Ressonância Magnética. Antes de imergir na barulhenta máquina, uma auxiliar de um metro e meio de altura pediu gentilmente que ele se livrasse momentaneamente de qualquer objeto metálico, o anel incluso – exatamente como sua noiva disse que seria necessário. Foi um pouco mais penoso que da vez anterior, uma vez que ele já estava bastante acomodado no dedo, mas logo conseguiu se separar do pequeno grilhão.
Quatro anos e meio depois, foi a vez dela. Primeiro, sua barriga se moldou no formato de um mundo perfeito para um nascituro. Então, faltando dois meses para que o bebê não se contivesse mais dentro de sua mãe, o organismo dela começou a reter líquidos e seus dedos – tão acariciados pelo seu marido por toda a gravidez – começaram a inchar. Temendo que sua aliança tivesse de ser impiedosamente cortada, ela mesma teve a iniciativa de guardá-la em uma gaveta.
A terceira vez em que o homem deixou que o elo de ouro o abandonasse não foi notada. Ele nunca foi capaz de se recordar onde e nem quando isso aconteceu. Só sabia que fora depois da morte de sua mulher, pois jurava que da última vez em que ela, debilitada em uma cama branca de hospital com os olhos semicerrados, segurou sem forças sua mão esquerda, os anéis se encontraram e tilintaram baixinho.
A mais graciosa das metades do casal agora repousava fria embaixo da sonolência da terra afofada. Em um dos poucos momentos em que estava sóbrio, e não embriagado pelas lágrimas do luto, ele sentiu falta do círculo que o abraçava quando sua mulher não podia. Sendo incapaz de encontrar sua própria aliança, recorreu sem pensar duas vezes à de sua amada, pois ela talvez ainda guardasse lembranças do suor tão puro daquela que não voltaria mais. Repetiu o gesto de seu casamento, mas desta vez era sua própria mão que recebia o aro reluzente. Estavam juntos de novo. Presos um ao outro, não desejavam liberdade.
E não houve uma quarta vez.
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