sábado, 12 de junho de 2021

A tempestade que chega é da cor dos teus olhos

Foto: archibald, via Flickr



Logo eu, que sempre invejei os genes dos ramos mais turmalina da família.

Eu, que no íntimo desejei uma miopia a ser corrigida com lentes de contato — coloridas.

Eu, que gastava o lápis azul para pintar, em meus rabiscos, dois reluzentes olhinhos em cada personagem, espelhos do meu desejo.

Eu, que cheguei a fazer promessa com a fé de que minhas íris perdessem ao menos um pouco de seu pigmento.

Eu, justo eu, perdi-me em contradições e mergulhei até ficar sem ar em uma piscina com águas turvas; turvação de cor castanho-escura, assim como os meus, assim como os dela.

Foi no instante em que ela me olhou da primeira vez. Foi também pela maneira como me encarou após o jantar de ontem. É, na verdade — devo confessar —, a cada uma das vezes em que ela me focaliza. Quando estou em seu foco, estou no seu espaço. É escuro, mas não vazio. É tão cheio de estrelas que há energia suficiente irradiando e me fornecendo calor. Talvez não sejam estrelas, tal quais as pintinhas em suas têmporas, com as quais me divirto a formar constelações. Sim, talvez não sejam estrelas, mas definitivamente brilham; e se eu enxergo esse brilho é porque ele contrasta com o fundo de um escuro sidéreo. Nele, sou astronauta, como em meus sonhos de criança.

O que aliás diria meu eu-criança sobre minhas contradições? Ou melhor: o que eu teria a lhe dizer? Que azul é uma bela cor, no entanto há outra que a supera em vivacidade? Que a combinação de todas as tonalidades virtuosas não resulta em preto, mas em uma cor única que eu e poucos tivemos o privilégio de captar? Que, se eu pudesse escolher, passaria a eternidade, em pé ou sentado, deitado, ajoelhado — em condição de agradecimento —, esquadrinhando cada camada daqueles dois pequenos círculos?

O equivocado garoto que fui, decerto não conseguiria compreender a Verdade que eu avistei naquele olhar. Sim, eu descobri a cor da Verdade tão logo a reconheci: e ela nada tinha de azulado, senão uma tonalidade dura e imaleável, quase segura. Uma cor que não instava que eu me aproximasse, contudo tornava impossível que dela eu me desviasse. Mais que atraente, era necessária. E mesmo quando o corpo ludibriava e a língua tentava enrolar, seus olhos ainda eram sinceros comigo. Neles buscava todas as respostas de que precisava e só houve uma que procurei em vão, ainda que fosse tão simples como um sim ou um não; naquele momento, porém, só encontrei reticências circulando e entendi que aquela era então a sua verdade. Entendi que suas pupilas eram ímãs que ora tinham polaridade positiva, logo me puxavam e me arrastavam de um jeito inexoravelmente magnético; mas ora eram negativas, como as minhas, quando então tendiam a me repelir, pois queriam estar sós, livres, presas a nada. Nos dois instantes, elas continuavam belas e firmes, como mágica.

Uma mágica que eu adorava admirar todas as manhãs em que eu despertava primeiro e podia assistir as suas pálpebras descobrindo as janelas e permitindo que a luz entrasse em mim. Luz amarronzada que refletia dos seus olhos para os meus, permitindo que eu apreciasse em detalhes cada um daqueles dois olhos-de-tigre. E, por um segundo, eu hesitava em beijá-la, porque não queria perder os olhos dela de vista, queria-os sempre abertos, atentos, para continuar a decifrá-los, como quando ela coloca a máscara e é unicamente por meio deles que devo adivinhar seus sorrisos, suas tristezas, suas dúvidas e relutâncias.

Logo eu, que almejava o azul do céu, fui contemplado com todo o universo. E enquanto ela retribuir meu olhar, este será meu farol e eu saberei, assim, para onde rumar.

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