sábado, 31 de outubro de 2015

Polaroids (I)


CENA 099
Sento-me no balanço, ao seu lado, e ao invés de perguntar o porquê de seus pés estarem fixos na areia e você não estar acompanhando o fluxo do vento, apenas me viro a te contemplar. Sempre foi assim. Poucas perguntas e muitos vislumbres. Da parte que lhe cabe, houve tantos questionamentos quanto silêncios; vários instantes de relutante admiração como de olhares fugidios, evitando encarar meu semblante de culpa – a expressão que, talvez, já seja minha máscara mais recorrente: uma marca d'água que, não importava minha feição, permanecia lá inesquecível, lembrando-te de todos os meus deslizes. Seu rosto, por outro lado, nunca vi tão belo. Não havia mais nada à minha direita ou em qualquer outra direção que não à minha esquerda, onde você e sua graça repousavam no balanço. Imaginei logo uma margarida presa nos seus cabelos escuros, véu brilhante que acompanhava o movimento das águas; a flor, pequeno sol, seria a perfeita antítese ao seus olhos, também quase negros. Quando passei por seu nariz delicado e cheguei à sua boca, percebi meu engano: era muito mais solar que as pétalas imaginárias, deixando claro por que seu beijo me revigorava sobremaneira, como se eu tivesse sido invadido por toda a luminosidade que expulsa a noite. Mas daquele momento, eu estava a semanas de ganhar outro beijo seu e não sabia. Se soubesse, talvez teria me balançado tão alto a ponto de ganhar impulso e chegar até a lua – gelada e deserta, como eu me senti nos dias que se seguiram.




CENA 226
Foi por muito pouco que a lâmina não faz um corte na minha face daquela vez em que eu já estava com creme de barbear por todo o rosto e você gritou que eu parasse imediatamente. Achei que seria uma boa ideia aparecer na entrevista de emprego (tão raras!) de 'cara limpa', mas seu argumento de que você preferia eu assim, com cara de hipster, venceu-me em poucos segundos – ainda que eu preferisse um rock mais clássico. Você sempre me vencia, e eu me sentia como derrotado, perdedor. Lavei-me e deixei que você sentisse minha barba com suas mãos e depois com seu próprio rosto. Nunca entendi como uma pele tão macia poderia preferir a aspereza. Era lógico, mas eu não compreendia. Assim como tinha dificuldades de entender como seu coração foi escolher justo a mim. Será que era lógico também?



CENA 21
Eu só sabia rir. Nunca achei que me tornaria esse tipo de pessoa, sinceramente. No entanto, depois do nosso terceiro encontro, eu havia me feito uma pessoa boa; ou melhor, você havia feito isso por mim. A lembrança do sorvete no canto da sua boca e o beijo gelado que veio logo depois era a imagem que eu colocava na frente da bagunça do apartamento que precisava ser arrumada; da discussão com o meu irmão; e com meu pai; do vizinho tocando violino às duas da madrugada; das provas finais de matérias das quais eu sequer sabia o nome direito. Paralisei o filme em qualquer cena dos momentos em que estivemos juntos e, embora a trilha sonora também estivesse congelada, pela primeira vez o silêncio era indiferente aos meus ouvidos. Bob Dylan não era mais necessário em um mundo onde havia sua voz e por meio dela você dizia coisas como 'adoro outonos; se eu estivesse no hemisfério norte, com certeza colecionaria aquelas folhas amarelas ou as bem avermelhadas  quando já perderam toda sua vitalidade e estão decrépitas, quase sem vida , como se isso não fosse mórbido e estranho em muitos níveis'. E eu ria.


| Créditos da foto: "Polaroid Week 2015 - Day 4" by August Kelm, licensed under CC BY 2.0

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Dois

Há uma canção que não me canso de escutar. Foi ela que me indicou; entre uma conversa e outra, entre uma discussão sobre os anos 90 e as narrativas do fim de semana passado. Sinto as rachaduras no meu peito: há coisa lá dentro que, de tão frágil, não se segura – engano meu, mantêm-se unidos os pedaços graças ao calor humano; como é possível que a energia dela viaje tão longa distância para chegar até mim? Eu finalmente estou inspirado para alinhar aquele pensamento no papel: a ideia só surgiu por conta de algo que ela me falou – coisa sem importância, reflexão boba que martelou por horas em movimento repetitivo, até que me reacendeu o ímpeto de escrever. Depois que eu tiver meu rascunho, ela vai revisar; vai dar pitacos; vai me apontar um grave erro que cometi – como fui prepotente naquele trecho, que infelicidade! Agradeço e vou dar uma volta. Quando eu retornar, ela ainda estará lá (exceto após a badalada da meia-noite). Tem uma matéria interessantíssima e quer compartilhar comigo, saber o que eu acho. Eu tenho uma vida não tão interessante assim, que compartilho com ela, para saber o que ela acha. Ela acha que eu deveria ler mais; eu penso o mesmo sobre ela – embora reconheça sua vitória. Nós achamos que nós deveríamos viajar mais. (Olhe lá fora, o mundo está chamando pela gente!) Uma lágrima chega a percorrer o caminho todo até pingar. Não consigo distinguir de quem é; nem se é de tristeza ou de felicidade. Tanto faz. Vai passar, eu digo a ela; espero que sim, ela me diz. Quem conta as estrelas, não conta quanto já foi dito por nós; e quanto foi não dito, mas os dois entenderam. "Ainda preciso lhe contar uma coisa": é meu mantra diário. Pausa – e leio mais um trecho do livro que ela veementemente me indicou. Corto a madrugada e percebo que já amanhece. Olho ansioso para o relógio esperando o bom-dia que me desperta para mais uma fração da vida. Em dias chuvosos, sou seu guarda-chuva amarelo; e vice-versa. Já fomos tanto ao MacLaren's que fica difícil esquecer; e quantas vezes não rimos juntos? Risadas internas de piadas internas que ninguém ao redor é capaz de compreender. Porque ninguém é capaz de nos compreender tão bem. Você entende o que quero dizer? Claro, você sempre entende. Conte-me mais sobre sua sorte no jogo e eu respondo sobre meu azar no amor. Aliás, o que o seu horóscopo prevê para hoje? Palpite: acho que vamos querer estar mortos. Pensando bem, ainda não posso ir: preciso ser seu vizinho e bater na sua porta, te chamando para provar alguma receita que, inseguro, acabei de testar; se você fizer o mesmo, terei que reconhecer sua vitória aqui também. Seu maior prêmio, contudo, deveria advir da paciência de todos esses anos – os que vieram e os que virão – me suportando. Você é mesmo guerreira... posso te presentear? Desta vez, a lembrancinha é este texto aqui. E se existe algum erro nele, desculpe-me: mas é porque você não leu antes.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Invernada

Eu sou da neve
que nunca foi minha.

Sou dos cristais
de gelo
que aquecem.

Sou das negativas
temperaturas.

Sou dos cachecóis
engolfando pescoços
sorrisos embaixo de toucas
olhares escondidos.

Sou do sol tímido
das nuvens que choram baixinho
para não acordar o casal que repousa
de conchinha
debaixo de uma coberta
que, generosa, doa sua quentura;
carrego o desejo por um calor
que não é solar
é humano.

Sou do azul
cerúleo, marinho, laguna, cor de céu
nublado, esquecido, apagado.

Sou do cinza, do esquecimento
porque passo desapercebido pela multidão
porque caminho sobre nuvens densas
e frias.

Sou do frio
do mais longínquo norte
ao mais ignorado sul
e vice-versa.

Deduza-me do inverno
dos anjos
de neve
dos chocolates quentes - que reenergizam a alma
às bebidas geladas - que acalmam o pulsar desritmado
e devolvem a realidade pálida
a um corpo demasiado humano
e seus gélidos corações.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Brief

So that’s the guy. And he writes non-sense things that no one can reads, but him. He was shot, but he’s not dead – how’s that even possible? And he was laid down on the floor, then he stood up and said out loud a four-letter-word that made everyone around him laugh, because there’s no joke today more despicable than love. And the reason is that when you make fun of something you fear it less. That’s also why he needed to shout it and he urged that every single person listen to it: but they were deaf and they just knew laughing and mocking and acting like automats. In the afternoon, he burst into tears and his mourning was even louder than his yell, although it hasn’t being able to wake up the deep-sleepers, which was everybody. He claimed for God and asked in clear voice why do they have to suffer, why is their hearts turning into ashes, and God Himself didn’t answer, because He is not allowed to, but at this very moment a noisy and shiny thunder blared; the man heard it and understood: it was a choice of theirs. Only when the sky appeared to be blacker than bluer, the song of stars started to play, and at first, it was almost unlistenable, a long after it was the single sound that could be heard by all living beings. It was sad and blue and deeply melancholic, but the man felt peace inside him, though he failed to guess how was that possible. The man alone, the magician, the wanderer, the first one, he was alive, in a world of graves, and he wasn’t capable of remembering the taste of her kiss – but she, like everybody else, lied under grass and flowers and mementos. And so, with no mercy, he blacked-out his inside sun, once the stars’ lullaby have taken it all and he realized that it’d be so exhausting to live like this, without the warmth of her lips, without a soul to fill his skull. One more time, he shouted the word and each one of the four letters stabbed him – four places: forehead, throat, heart and navel. Silence. The angel beside him flew away. And that’s the end.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Par ou Ímpar

Ao 1 ano, eu não tinha certeza de nada.
Aos 3 anos, eu tinha certeza de que gostava dos meus pais e da minha irmã.
Aos 5 anos, eu tinha certeza de que meu avô iria deixar de ser uma estrela e eu poderia voltar a visita-lo aos domingos.
Aos 7 anos, eu tinha certeza de que poderia passar o dia inteiro brincando e comendo bolacha recheada que não enjoaria nunca.
Aos 9 anos, eu tinha certeza de que jamais encontraria pessoa mais chata e irritante que minha irmã.
Aos 11 anos, eu tinha certeza de que um dia seria um grande jogador de basquete.
Aos 13 anos, eu tinha certeza de que estava pronto para beijar a Karina.
Aos 15 anos, eu tinha certeza de que não teria utilidade decorar as fórmulas sobre geometria e que não faria mal matar umas aulas de vez em quando.
Aos 17 anos, eu tinha certeza de que namorar — antes dos 30, pelo menos  seria o maior erro que eu poderia cometer (ainda assim, não sei bem por quê, perguntei à Fernanda se ela queria errar junto comigo).
Aos 19 anos, eu tinha certeza de que os anos na universidade seriam os melhores da minha vida.
Aos 21 anos, eu tinha certeza de que se eu não parasse de beber tanto, não chegaria nem aos 25 (mas estava errado).
Aos 23 anos, eu tinha certeza de que não sabia o que fazer da vida dali pra frente.
Aos 25 anos, eu tinha certeza de que havia escolhido o curso errado.
Aos 27 anos, eu tinha certeza de que fazia a coisa certa ao noivar da Gabriela.
Aos 29 anos, eu tinha certeza de que eu não visitaria tantos países quanto tinha planejado na adolescência.
Aos 31 anos, eu tinha certeza de que aqueles votos proferidos perante um padre seriam eternos.
Aos 33 anos, eu tinha certeza de que jamais usaria os conhecimentos acumulados durante os quatro anos de graduação e que a maior contribuição da faculdade havia sido as horas no bar jogando conversa fora com os amigos.
Aos 35 anos, eu tinha certeza de que as discussões com minha esposa seriam passageiras, pois nada poderia abalar nossa convicção no amor de papel passado.
Aos 37 anos, eu tinha certeza de que aquela criança que ainda era gestada seria o maior presente da minha vida — e seria um grande jogador de basquete.
Aos 39 anos, eu tinha certeza de que minha filha seria a única boa contribuição que eu deixaria no mundo.
Aos 41 anos, eu tinha certeza de que deveria parar de fumar.
Aos 43 anos, eu tinha certeza de que minha esposa voltaria para mim, com nossa filha nos braços, e desistiria da ação de divórcio.
Aos 45 anos, eu tinha certeza de que minha ex-esposa jamais voltaria para mim.
Aos 47 anos, eu tinha certeza de que era o homem mais infeliz da face do planeta — o que é pior: ainda mais que meus pais — e que o suposto “Deus” não passava de um embuste afinal.
Aos 49 anos, eu tinha certeza de que minha filha se apegaria tanto ao padrasto, que logo eu não faria mais falta a ela, e ela então se esqueceria de me chamar pelo nome: “papai”.
Aos 51 anos, eu tinha certeza de que detestava trabalhar naquela mesma empresa há tantas décadas.
Aos 53 anos, eu tinha certeza de que aquela garota mais nova com quem eu me envolvera por impulso, tão cheia de ânimo e de vontades, não me daria de volta a felicidade que eu tanto aguardava.
Aos 55 anos, eu tinha certeza que estava tomando a decisão acertada ao pedir demissão.
Aos 57 anos, eu tinha certeza de que uma mulher tão bem-resolvida como a Karina não se envolveria com um homem grisalho e sisudo como eu, embora ela estivesse viúva.
Aos 59 anos, eu tinha certeza de que eu e Karina não nos separaríamos jamais e, se Deus permitisse, morreríamos juntos.
Aos 61 anos, eu tinha certeza de que adorava ser crítico gastronômico.
Aos 63 anos, eu tinha certeza de que estava vivendo a época mais serena e mais prazerosa de minha vida.
Aos 65 anos, eu tinha certeza de que aquele enfisema pulmonar poderia ser revertido e que eu ainda viveria por décadas.
Aos 67 anos, eu tinha certeza de que Karina nunca iria sair do meu lado, tampouco minha filha.
Aos 69 anos, eu tinha certeza da proximidade da minha morte, mas a esperava com inimaginável e sincera tranquilidade.
Aos 71 anos, eu não tinha certeza de mais nada — e nem precisava.


Este texto é dedicado à Karina, Fernanda e Gabriela, que agora estão cheias de incertezas, mas entendem que, se você não sabe exatamente aonde quer ir, não importa qual caminho irá tomar.

domingo, 5 de outubro de 2014

Resiliência

Ainda posso sentir quando o vento entra pelas frestas e desvia de onde você deveria estar.
Chega em mim com todo esse atrevimento e eu lhe explico que há tanto tempo que nem me lembro mais - o que minhas contagens mentais diárias desmentem - você já não se faz presente aqui.
Inconformada, como um dia estive eu, a brisa também me abandona, e eu entendo que junto com você se foi todo o sentido que fazia de mim uma boa companhia.
Caiu a noite no pequeno espaço em que me guardo todos os dias. Tenho medo é que nem o brilho do sol, que incomoda meu sono perene e me dá o estímulo para abrir os olhos, atreva-se a invadir um antro vazio.
Quando você soltou a mão das minhas para colocá-la na maçaneta e enfim partir, eu me lembro como se fosse ontem (e quando foi?) de haver-lhe dito fique, eu te farei bem. Você respondeu não, eu mesma me farei esse bem.
Achei ter visto lágrimas aquarelarem seu rosto nu, mas era minha própria visão que se turvara da tristeza que molhava minha face.
E na melancolia que se percebe em cada fio das teias que crescem nos vértices de cada cômodo sem que eu me importe, meu coração submergiu e, nas penúrias de minha própria comiseração, eu me fiz só - e me afoguei.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Os Melhores Filmes de Todos os Tempos

(Este post foi originalmente publicado no blog Into Movies.)

Volta e meia, quando se discute sobre cinema, a pergunta fatídica tende a aparecer: qual o melhor filme de todos os tempos? Obviamente, não há uma resposta fácil − e talvez nem mesmo uma difícil −, entretanto isso nunca impediu que críticos e fãs da sétima arte tentassem buscá-la, utilizando-se dos mais variáveis critérios e referências. No geral, as grandes publicações promovem votações, às vezes especializadas, às vezes mais amplas, para chegarem a uma conclusão que, todos sabem, é tão discutível e dinâmica quanto uma opinião sobre uma pintura de Dalí.

De qualquer modo, ainda que lhes falte uma absoluta (e inalcançável) confiabilidade, tais rankings podem inspirar e dar dicas sobre grandes filmes já rodados. Isso porque quesitos como boa direção, boa fotografia, atuações memoráveis e uma trilha sonora adequada não são tão relativos assim, e, geralmente, há um certo consenso sobre quais obras acabam se destacando. É por isso que vale a pena dar olhada nas listas publicadas de tempos em tempos, nem que seja para conferir se bate com seu gosto pessoal.

Uma das mais recentes é a da revista de cinema “Hollywood Reporter”, publicada há cerca de um mês. Para que eles chegassem ao resultado, convidaram para participar da votação pessoas diretamente envolvidas com a indústria do entretenimento, como diretores, vencedores do Oscar e donos de estúdio − entre eles, Alan Horn, o presidente da Disney; Gary Ross, o diretor do primeiro filme de “Jogos Vorazes”; e Vince Gilligan, criador da série “Breaking Bad”. As primeiras posições não surpreendem tanto: em primeiro lugar, vem o famoso filme ítalo-americano «O Poderoso Chefão» (The Godfather, 1972), seguido de «O Mágico de Oz» (The Wizard of Oz, 1939) e «Cidadão Kane» (Citizen Kane, 1941). Logo após, temos dois filmes recentes: «Um Sonho de Liberdade» (The Shawshank Redemption, 1994), adaptação de um livro do mestre do terror Stephen King, e uma das grandes obras de Tarantino, «Pulp Fiction» (Pulp Fiction, 1994), em 5º lugar.


É curioso observar a carência de filmes mais recentes nesta lista. O primeiro filme posterior a 1994 a aparecer entre os 100 maiores é «Fargo» (Fargo, 1996), dos irmãos Coen, apenas na 33ª posição. Somente 15 produções são da década de 2000 e nenhuma delas é encontrada antes dos cinquenta primeiros. Essa observação ajudaria a corroborar a teoria de que há uma tendência natural a se valorizar os filmes mais antigos, talvez porque, com o avanço das tecnologias de efeitos gráficos, os estúdios estejam deixando de lado a qualidade do roteiro para visarem uma maior bilheteria através de fórmulas previsíveis aliadas com espetáculos visuais. Não há nenhum filme brasileiro no ranking.

Mas talvez mais interessantes que as opiniões técnicas, sejam as opiniões dos próprios espectadores. Nesse sentido, vale a pena analisarmos a publicação da Revista Empire dos “301 Maiores Filmes de Todos os Tempos”. Com o sucesso da lista anterior da Empire, de 2008, que reuniu 10 mil leitores e dezenas de críticos para chegarem aos 500 Maiores Filmes, foi aberta uma nova enquete aos leitores e o resultado, após ‘centenas de milhares’ de participações, foi divulgado em maio deste ano. Em 2008, o topo pertencia também a «O Poderoso Chefão», acompanhado de «Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida» (Raiders of the Lost Ark, 1981) e «Star Wars Episódio V: O Império Contra-Ataca» (Star Wars Episode V: The Empire Strikes Back, 1980). Na lista atual, os três continuam entre os dez primeiros, mas com uma ligeira troca de posições: a medalha de ouro ficou com o quinto volume da franquia de George Lucas, e a de prata com o drama de Don Corleone. Em terceiro, um filme lançado no mesmo ano da lista anterior: «Batman: O Cavaleiro das Trevas» (The Dark Knight, 2008), marcado pela exímia atuação de Heath Ledger.


Existem vários recortes possíveis de serem feitos com essas três centenas (mais um) de filmes, que acabam revelando um pouco mais sobre os gostos dos espectadores e podem dar uma luz para que possamos compreender melhor o que faz o sucesso de um filme. Por exemplo, é notável que a hexalogia “Star Wars” fez bastante sucesso, tanto que quatro dos filmes estão na lista − deixando de fora os dois primeiros da nova trilogia, que contam a história de Anakin Skywalker antes de se tornar o terrível Darth Vader. As expectativas também são bastante altas para o Volume VII da saga, que está sendo dirigida por J. J. Abrams e sobre o qual ainda não sabe muita coisa. J. J., ou Jeffrey Jacob, também fez parte da equipe por trás de «Star Trek» (Star Trek, 2009) e «Além da Escuridão - Star Trek» (Star Trek Into Darkness, 2013), lembrados em 188º e 245º lugares, respectivamente.

O diretor Christopher Nolan é um dos mais consagrados pela votação, se considerarmos que cinco das obras eleitas são dele. Entre elas, a nova trilogia do Cavaleiro das Trevas e um dos filmes recentes mais bem posicionados em várias das listas: «A Origem» (Inception, 2010), aqui em 10º. Quentin Tarantino, por sua vez, conquistou o 5º lugar com «Pulp Fiction», mas não apenas: outras cinco posições também são de filmes que ele dirigiu, como «Cães de Aluguel» (Reservoir Dogs, 1992), em 75º, o segundo filme de sua carreira. Considerando que ele foi diretor em apenas 11 filmes, a constatação é ainda mais admirável. Stanley Kubrick também tem seis produções entre as 301, isto é, todos os filmes que dirigiu desde «Dr. Fantástico» (Dr Strangelove Or: How I Learned To Stop Worrying And Love The Bomb, 1964), exceto “Barry Lindon”, de 1975.

Por mais que elas nunca apareçam entre os primeiros, não seria possível, contudo, deixar completamente de fora as animações, que fazem sucesso desde 1937, com o lançamento de “Branca de Neve e os Sete Anões” pela Disney. Praticamente todas as animações no ranking, aliás, são dos mesmos estúdios do Mickey Mouse: entre as que não são, «A Viagem de Chiriro» (Spirited Away, 2001) é a mais bem classificada, em 82º. A melhor animação, contudo, segundo os leitores da britânica Empire, é o épico «O Rei Leão» (The Lion King, 1994), que não por acaso é o desenho com maior bilheteria da história, além de acumular dois Oscar, dois BAFTA e três Globo de Ouro, incluindo o de “Melhor Filme (Comédia/Musical)”.

Com a ascensão da computação gráfica, no entanto, as tradicionais animações começaram a dar lugar para personagens tridimensionais, e o estúdio Pixar produziu filmes com qualidade indiscutível. Assim, não é de se espantar que sete de seus filmes − metade dos que já foram lançados − figurem na lista. A primeira criação é também a que está mais no topo: «Toy Story» (Toy Story, 1995) aparece em 58º lugar e sua sequência, «Toy Story 3» (Toy Story 3, 2010) surge em 147º. É interessante notar a presença de «Frozen» (Frozen, 2013), filme da Disney, independente da Pixar, que estreou apenas seis meses antes da divulgação do resultado da votação.

Inclusive, há um número considerável de filmes da atualidade, talvez porque estejam mais presentes na memória do público. Apenas de 2013, há onze produções, entre eles vários dos que foram indicados ao Oscar, como «Gravidade» (Gravity, 2013), em 35º; «O Lobo de Wall Street» (The Wolf of Wall Street, 2013), de Scorsese, em 85º; e o vencedor da estatueta de “Melhor Filme” «12 Anos de Escravidão» (12 Years A Slave, 2013), em 119º. Deste ano, somente dois filmes entraram: «Capitão América 2: O Soldado Invernal» (Captain America: The Winter Soldier, 2014), em 183º, e «O Grande Hotel Budapeste» (The Grand Budapest Hotel, 2014), do diretor Wes Anderson, em 282º lugar.

Também é notável a presença de filmes que representam uma fuga ao padrão hollywoodiano, seja porque o idioma falado não é inglês, seja porque o diretor é de outra nacionalidade. Exemplos disso são o espanhol/mexicano «O Labirinto do Fauno» (Pan's Labyrinth, 2006), na ótima 50ª posição; o clássico de Federico Fellini «8 ½» (8 ½, 1963), em 195º; e o também italiano «Ladrões de Bicicleta» (The Bicycle Thief, 1948), na última posição. É claro que não se poderia deixar de mencionar o único brasileiro da listagem, «Cidade de Deus» (City of God, 2002), do paulistano Fernando Meirelles, na muito boa 88ª posição. Além dele, o filme  «Brazil - O Filme» (Brazil, 1985) também está nela, mas a verdade é que a comédia de Terry Gilliam, do grupo Monty Python, é de fato britânica e tem pouca relação com o nosso país.

Por fim, cabe apontar que só dois dos filmes da franquia “Harry Potter” constam entre os melhores: o primeiro − «Harry Potter e a Pedra Filosofal» (Harry Potter and the Sorcerer's Stone, 2001) − e o último − «Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2» (Harry Potter and the Deathly Hallows - Part II, 2011). Quanto à trilogia de «O Senhor dos Anéis» (The Lord of the Rings, 2001/2002/2003), todas as partes estão entre os cinquenta primeiros, na seguinte ordem: 7º, 46º e 12º.



A LISTA (NADA) DEFINITIVA DOS MELHORES FILMES DE TODOS OS TEMPOS
Se as problemáticas de se levar em consideração listas como a da revista Empire forem relevadas por um minuto, é grande a tentação de ficar comparando os mais variados rankings entre si, em busca de padrões − e eles existem! De fato, há alguns filmes que aparecem em duas ou mais seleções entre os dez primeiros, o que pode ser um bom indício de que aquele título é um clássico ou, pelo menos, vale a pena ser visto.

Foi com esse objetivo que foi feita a análise das 7 maiores publicações que pretenderam eleger as maiores obras cinematográficas desde que os irmãos Lumière abriram as portas para que o cinema pudesse evoluir e se firmar como um dos principais meios de entretenimento. Algumas listas, como a comentada acima, eram abertas ao público − sejam leitores ou usuários; outras, optavam por votantes escolhidos criteriosamente pelo seu conhecimento técnico. A partir disso, foram comparados os 10 primeiros colocados de cada lista e verificou-se em quantos rankings cada obra aparecia. Além do número de listas, analisou-se também − em caso de empate − as posições em que ele figurava.

Os rankings utilizados foram os seguintes: “The 301 Greatest Movies Of All Time” (2014), da revista Empire; “Hollywood's 100 Favorite Films” (2014) da The Hollywood Reporter; “The Top 50 Greatest Films of All Time” (2012), da revista Sight & Sound, publicada pelo British Film Institute (BFI); “AFI's 100 Years... 100 Movies - 10th Anniversary Edition” (2007), do American Film Institute; “IMDb Top 250” (2014), do Internet Movie Database; “Top 100 Movies Of All Time” (2014), do Rotten Tomatoes; e “Movie Releases by Score of All Time - Metascore” (2014), do Metacritic.

E foi assim que chegamos à lista definitiva (ou não) do IntoMovies para Os Melhores Filmes de Todos os Tempos! Confira abaixo: